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13 de maio: Dia de Preto Velho e de Combate à Intolerância Religiosa

Por Tiago Pestana, historiador e integrante da Diretoria de Igualdade Étnico-Racial

A importância do 13 de maio não está resumida por uma só simbologia. Além de ser a data que rememora o Dia Abolição da Escravatura, em 1888, também marca o nascimento do jornalista e escritor negro Lima Barreto, em 1881, autor de clássicos da literatura brasileira como Clara dos Anjos, O triste fim de Policarpo Quaresma e Os Bruzundangas. Além disso, a data nos fornece um marco para refletir sobre as crescentes agressões sofridas por devotos de religiões de matriz africanas, nos dando oportunidade para uma reflexão, assim como, apresentar mais um motivo de celebração, o Dia dos Pretos Velhos.

Em uma sociedade onde o barulho do atabaque incomoda por ressoar no ambiente um padrão rítmico que é desrespeitado e assimilado por parte da base cristã como símbolo “do diabo” ou “não é de Deus”. Essa perigosa forma de associação, além de ignorar a construção litúrgica das religiões de matriz africanas, frequentemente, transforma-se em ataques físicos e morais.

Obviamente, os casos de intolerância ultrapassam a minha possibilidade de síntese para este artigo, pois são muitos. Para citar, como exemplo, alguns emblemáticos: o recente caso do terreiro “A Caminho da Paz”, na Tijuca, Zona Norte do Rio. Imagine todos sentados, rezando, com fé e muitos pedidos para desenrolar uma vida difícil, onde seu suporte é sua súplica e oração, até que, de repente, frutas congeladas acertam seu corpo, seu filho, amigos e parentes, transformando uma corrente de amor em um exercício de resistência à dor e contínuo perdão. O terreiro é atacado desde setembro de 2023 e, ainda, recebe constantes visitas da Guarda Municipal e da Polícia Militar, somando parte do Estado ao assédio.

Até mesmo grupos criminosos, envolvidos com domínio e tráfico de comunidades no Rio de Janeiro, assumindo aspectos e relações com dogmas cristãos, vem destruindo terreiros, forçando a desmobilização de qualquer atividade religiosa fora dos padrões impostos por eles. Torna-se claro que a prática religiosa por parte da atuação do crime não se trata de representantes de toda uma religiosidade cristã, como algo homogêneo, e sim a infeliz combinação poder x religião e sua atuação mais egoísta, retirando os direitos religiosos de outros praticantes.

Em outra situação, o caso emblemático no Dia de Finados, em 2018, no Cemitério de Maruí, no Barreto, em Niterói, participantes de uma igreja evangélica, se juntou e expulsou religiosos de umbanda e do candomblé que praticavam seus ritos no espaço. Ecoavam gritos de “o nome de Jesus é poderoso!”, “feitiçaria sai!”, demonstrando uma fraca compreensão de sociedade e religião, lançando dor, tristeza e frustração aos praticantes de matriz africana, como uma atitude dessa natureza pode ser boa ou, até mesmo, cristã?

A diversidade de práticas religiosas no Brasil, transparece a variedade de religiões do povo brasileiro. Cada uma delas apresenta sua forma ritualística, muitas vezes combinando elementos de outros costumes religiosos. Logo, vale apresentar uma das mais famosas entidades cultuadas, a dos Pretos e Pretas Velhas, que estão presentes, por exemplo, em centros espíritas universalistas, de umbanda e ômoloco.

O tema dá espaço para refletir, observando sobre suas linhas de trabalho nos terreiros, pensando como “linha” o nome que define a afinidade energética que a entidade está “conectada”, aparecendo nomeados, por exemplo, como Pai Joaquim de Angola, Vovó Catarina das Almas e Pai Tobias. Além disso, seus itens materiais, usados no trabalho espiritual durante o exercício e intenção de cura, tratam-se de pembas, cachimbos, ervas, cachaças e muito mais.

Os Pretos e Pretas Velhas tem sua data associada ao simbólico Dia da Abolição da Escravatura, visto que esses espíritos costumam contar histórias de seus sofridos momentos em cativeiro. Enquanto “incorporados”, conceito dado a conexão “médium” x “guia” que expressa um compartilhamento de controle da consciência do corpo e de parte de suas faculdades operantes, costumam falar de seus passados promovendo reflexões ao assistido.
Em pontos de umbanda, ou seja, suas canções, sempre são cantadas súplicas, orações e suas ações passadas. No trecho abaixo, vemos um dos pontos dedicados a Pai Joaquim de Angola: No toco Preto Velho rezava, para acabar com a escravidão. Rezava a Nossa Senhora Mãe Oxum, com seu Rosário na Mão. Com muita emoção, Pai Joaquim implora a Nossa Senhora sua libertação… ou até mesmo pontos mais amplos, dedicados a entidades da linha: Queria me rezar, mas não tive rezador, vou chamar os Pretos Velhos que ainda não “chegou” …

Definir um histórico cronológico de aparições dessa entidade, assim como outras, torna-se uma tarefa hercúlea, já que as bases religiosas populares e orais são vastas, perdendo o exato marco pioneiro de sua aparição, mesmo que possam tentar fazer reconstituições e acordar algum dos eventos possíveis de sua primeira presença. Atualmente, por parte da umbanda, tal manifestação pioneira é muito atribuída ao médium Zélio Fernandino de Moraes, nascido em São Gonçalo, no Estado do Rio, em 10 de abril de 1891, sendo ele considerado o anunciador e propagador da Umbanda.

Por fim, o texto procurou demonstrar como as práticas de intolerância podem causar mal-estar na população, lançando bases para ódio e violência, um perigo, para muitos, pouco alarmante. Os Pretos Velhos e alguns dos seus possíveis aspectos, são considerados entidades de muita devoção, amor, formas de sentimento e fé pelos que creem e depositam suas esperanças e caminhadas sob suas orientações que, aliás, passam longe de fixarem-se na figura de outras religiões e seus praticantes, normalmente, estão mais preocupadas com a prática do perdão.

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