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Com J.D. Vance como vice, Trump sinaliza confiança em vitória, diz analista
A escolha do senador J.D. Vance para vice-presidente é um sinal de que a confiança na campanha Donald Trump de uma vitória em novembro é alta. É o que avalia o cientista político Michael Traugott, professor emérito do Instituto de Pesquisa Social e do Centro de Estudos Políticos da Universidade de Michigan, para quem o ex-presidente se sentiu confortável o suficiente para fazer o que desejava desde o início: escolher um companheiro de chapa republicana tão ou mais à direita do que ele.
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— Trump jamais demostrou interesse real em construir uma coalizão para além de sua base. E, diferentemente do ex-presidente, o senador afirmou publicamente que defende o veto total ao direito ao aborto. Por isso só, já oferece aos democratas uma avenida inteira para tratar do tema nos próximos meses, atentando para uma diferença crucial entre as duas campanhas — afirma ele.
Outro possível complicador, pontua o cientista político, mesmo em uma disputa entre Joe Biden, de 81 anos, e Trump, de 78, é a falta de experiência de Vance, 39, em comparação com Kamala Harris, 59. E não só em relação à mais óbvia função de um vice-presidente: substituir o presidente.
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— Ele é muito pouco experiente em campanhas de dimensão nacional, e esse é um risco real para Trump. Também não incrementa em nada o apelo aos não brancos, eleitores que tradicionalmente votam mais democrata. Por outro lado, a história de vida do senador ajudará a chapa a conseguir mais doações. E ele é especialmente bom nisso. E também pode diminuir outro problema sério do partido: a escassez de voto jovem — diz Traugott.
Para o diretor para os Estados Unidos da consultoria de risco Eurasia, Clayton Allen, as mensagens centrais de Trump ao escolher Vance são acentuar o populismo e o protecionismo econômico que definiram seu governo.
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— E, além disso, Trump é uma figura pública tão reconhecida, tão familiar aos eleitores, que ele teve o luxo de poder escolher alguém como vice que comunga totalmente com sua visão de mundo. Ele e sua campanha sabiam que o companheiro de chapa não iria mudar decisivamente o rumo da corrida, quem quer que fosse. Pôde escolher alguém que considere de fato leal e que ao mesmo tempo agrade à base, como Vance — explica Allen.
Vice de Trump que se recusou a deter a diplomação de Joe Biden em 2020, Mike Pence também era de um estado do Meio-Oeste, Indiana, mas se tornou, no “partido de Donald Trump”, persona non grata. Chegou a ensaiar uma candidatura nas primárias republicanas, recuou ao encarar um partido muito mais à direita do que em 2016 e sequer está presente na Convenção em Milwaukee. Um dos critérios centrais para a escolha desta segunda-feira teria sido justamente, dizem reservadamente republicanos no evento, a percepção de lealdade canina de Vance — outrora um crítico e parte do grupo Trump Nunca Mais — ao ex-presidente. Mas há, pontua Allen, muitos complicadores em sua escolha:
— Os democratas conseguiram transformar o Projeto 2025 (do grupo conservador Heritage Foundation) num fantasma perigoso e não só em uma sequência de sugestões feitas a um eventual segundo governo Trump. E eles irão bater o bumbo nas próximas semanas de que Vance é o Projeto 2025 personificado, o que é, neste caso, real.
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O editor-adjunto de Opinião do New York Times, Patrick Healy, destacou que Vance, mesmo sendo senador de um estado de maioria clara republicana — ou seja, não ajuda de modo direto com o Colégio Eleitoral —, tem o atrativo de ser do Meio-Oeste. E de seu Ohio ser demograficamente similar aos três cruciais endereços da chamada Muralha Azul, que os democratas precisam manter intacta para vencer em novembro: o Wisconsin, onde a convenção ocorre, Pensilvânia e Michigan. “Ele pode ter um efeito real nos eleitores desses estados, além de oferecer uma visão ideológica clara para o futuro do Partido Republicano depois de Trump”, escreveu.
A colunista Michelle Goldberg, do New York Times, lembrou de uma frase de Vance para pontuar que o efeito da escolha ultrapassa as fronteiras americanas. “Vance falou (ao estrategista de extrema direita) Steve Bannon: ‘Vou ser honesto com você, não ligo muito para o que acontece na Ucrânia. Deus ajude os ucranianos’”. Se de fato tiver um papel decisivo num eventual segundo governo Trump, Vance deve fortalecer ainda mais, apontam analistas, o isolacionismo trumpista.