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Dia dos Pretos Velhos, o que eles ensinam sobre nossa língua?
13 de maio é o Dia dos Pretos Velhos, entidades cultuadas em religiões de matriz-africana. São figuras ancestrais que trazem as memórias de seres humanos escravizados que, apesar das mazelas da escravidão, viveram até alcançar uma idade avançada.
Trazem ensinamentos, conselhos e rituais para quem pede por ajuda. Com importância cultural, possuem muitas intersecções com a história brasileira, alguns destes pontos de encontro se dão na linguagem e na medicina.
Para explorar e compreender melhor o aspecto linguístico, conversamos com Laura Álvarez, doutora em linguística do português e professora da Universidade de Estocolmo, na Suécia.
Ela tem pesquisas que buscam compreender ambientes multilíngues e as interações entre linguagem, poder e identidade. Já realizou trabalhos no Brasil, Uruguai, Angola e Moçambique.
Manifestações africanas na linguagem brasileira
Por se tratar de religiões de matriz-africana, começamos questionando a professora como podemos notar as influências das línguas africanas no jeito que o brasileiro fala hoje em dia. Ela nos explica que existem diversos estudos linguísticos que destacam as práticas linguísticas e culturais de origem africana nas religiões afro-brasileiras.
A professora afirma que partir destas práticas religiosas as palavras entram em outros espaços. Ela dá como exemplo músicas do Caetano Veloso e do Gilberto Gil que citam, por exemplo, nomes de Orixás.
Laura explica que saberes de outras áreas são passados no compartilhamento de lendas das divindades da África Subsaariana. Conhecimentos relacionados à gastronomia, matemática, geometria, biologia e nutrição.
Outro aspecto de influência das palavras africanas, segundo a pesquisadora, remonta aos tempos da escravidão. Pois, os negros utilizavam conceitos africanos específicos para se comunicarem a fim de manter segredo do que diziam dos brancos.
Remanescências desta cultura podem ser percebidas tanto em comunidades isoladas, Laura dá o exemplo do Quilombo do Cafundó (SP), como em palavras africanas utilizadas no dia a dia do brasileiro, que, inclusive, possuem correspondentes no português de Portugal. Um destes termos é “caçula”, no português europeu a palavra utilizada é Benjamin.
Pretos Velhos e a linguagem
Perguntamos qual análise pode ser feita dos Pretos Velhos a partir da linguagem utilizada por eles para passarem seus conhecimentos. Laura nos explica que os Pretos Velhos reproduzem uma história linguística e social brasileira.
A pesquisadora afirma haver representações literárias da fala de africanos que aparecem falando de forma específica, nessas representações, tem o Preto Velho que aparece como um indivíduo que aprendeu português depois de adulto.
A professora declara:
“É também a história social do Brasil, podemos usar as memórias ancestrais que eles transmitem para ensinar a história da língua portuguesa no Brasil. Das injustiças históricas de uma sociedade construída sobre esse trabalho forçado de milhões de indivíduos escravizados, isso é uma forma de ver.
Depois, linguisticamente falando, de uma forma mais técnica, podemos ouvir a maneira como eles falam, pois, não temos gravações de como um escravizado falava há duzentos anos, mas temos os Pretos Velhos”
Então, Laura nos dá exemplos destas marcas linguísticas, como ao invés de falar “terra”, alguns Pretos Velhos vão falar “tera”, ao invés de “marido”, “malido”, “chabe” no lugar de “sabe”. Outro exemplo marcante é a expressão famosa dos Pretos Velhos, o “Zí fio”, o “zí” não tem função gramatical no português, entretanto é um marcador nominal de línguas da família banto, presentes na região da Angola e do Congo.
O que aprender se pode aprender sobre Brasil, com os Preto Velhos?
Por fim, perguntamos à Laura quais lições se pode tirar da cultura relacionada aos Pretos Velhos para compreendermos melhor a história do Brasil.
Ela responde que além de tudo que já foi debatido, eles dão nomes, estórias e personalidades a sujeitos invisibilizados nas histórias dos livros didáticos. Pois, quando se apresenta a história da escravidão, os escravizados são anonimizados, já os Pretos Velhos, sempre têm nome, maneira de falar, jeito de ser, identidade.
A pesquisadora afirma:
“Acho, também, que de alguma forma, podemos aprender através dessa representação da memória ancestral que o escravizado não foi só uma vítima, mas que tinha muita resistência, por parte deles. Eles levaram as práticas para frente, eles mantiveram os costumes, a cultura, o conhecimento e transmitiram tudo isso.
É necessária muita resistência para você poder passar isso para a próxima geração. Mostra o poder, a criatividade de um grupo.”
Por Tiago Vechi
Jornalista