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Maioria no Congresso do México abre caminho para aprovar leis que aumentam poderes presidenciais

A margem de votos conquistada por Claudia Sheinbaum na eleição presidencial do México foi a maior em décadas, e mesmo enquanto os votos ainda eram contabilizados na segunda-feira, tornou-se claro que o Morena, partido governista de esquerda, e seus aliados, poderiam conquistar uma condição que os permitiria remodelar a configuração política do país.

A coalizão parece prestes a conquistar uma maioria no Congresso capz de aprovar propostas de alteração da Constituição que preocupam a oposição, incluindo o avanço de uma legislação controversa que poderia potencialmente desmantelar controles cruciais sobre o poder do Executivo.

Sheinbaum, a primeira mulher a ser eleita presidente, venceu com uma margem impressionante de 30 pontos percentuais — ou mais, uma vez que os números são aproximados —, segundo a contagem rápida do Instituto Nacional Eleitoral (INE). As pesquisas indicavam que ela e seu partido vencessem, mas a vitória retumbante superou as expectativas.

— Estamos levando tudo nestas eleições — disse Mario Delgado, líder do partido Morena, em discurso no domingo.

A eleição serviu de referendo sobre o mandato de quase seis anos do presidente Andrés Manuel López Obrador, e os resultados preliminares indicam que uma sólida maioria do eleitorado apoiou a sua gestão do país.

Segundo os dados iniciais, o Morena conquistou sete dos nove governos em disputa — incluindo o mais proeminente, o da Cidade do México — e obteve a maioria absoluta em pelo menos 22 das 32 legislaturas estaduais.

Apoiadores de Claudia Sheinbaum reunidos na Praça Zocalo, na Cidade do México, após vitória eleitoral — Foto: Mario Vazquez/AFP
Apoiadores de Claudia Sheinbaum reunidos na Praça Zocalo, na Cidade do México, após vitória eleitoral — Foto: Mario Vazquez/AFP

Durante o mandato de López Obrador, milhões de pessoas saíram da pobreza, o salário mínimo duplicou e as pensões foram ampliadas para mais mexicanos. Seu governo, no entanto, também deu poder aos militares, priorizou os combustíveis fósseis e promoveu medidas que, segundo os críticos, poderiam enfraquecer as instituições democráticas do México.

Ainda assim, as preocupações com as medidas pouco fizeram para afastar a maioria dos eleitores de Sheinbaum, indicada como sucessora de López Obrador.

— Os eleitores deram a Claudia um mandato que poucos ousaram prever — disse John Feeley, vice-chefe da missão da Embaixada dos Estados Unidos no México, de 2009 a 2012. — Claudia venceu de forma dominante.

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Para alguns críticos, porém, a ascensão de um Morena com um controle muito maior em ambas as casas do Congresso já fez soar o alarme.

— Eu tinha descartado a possibilidade do partido receber um cheque em branco para fazer o que quisesse. Mas é isso que estamos vendo agora — disse Roberta Lajous, diplomata mexicana que serviu como embaixadora em quatro países. — O sistema democrático tem sido usado para limitar a democracia.

Sistemas de pesos e contrapesos

As mudanças sistêmicas que López Obrador propôs reduziriam, entre outras coisas, o número de legisladores no Congresso; eliminariam muitos órgãos reguladores independentes, transferindo suas funções para agências federais; e tornaria os juízes da Suprema Corte sujeitos à eleição por voto popular. Ele também propõe que funcionários eleitorais sejam escolhidos por voto popular, uma medida que os críticos alertam que enfraqueceria a independência das instituições.

Até agora, a oposição no Congresso frustrou essas ambições.

— Parece haver um consenso de grande parte da população em dizer: ‘Vá em frente com seu projeto’ — disse Sergio López Ayllón, professor de direito da Universidade Nacional Autônoma do México, que assessorou instituições como o Senado Mexicano e o Supremo Tribunal.

Eleitor de Claudia Sheinbaum carrega máscaras da presidente eleita e do presidente Andrés Manuel López Obrador — Foto: Pedro Pardo/AFP
Eleitor de Claudia Sheinbaum carrega máscaras da presidente eleita e do presidente Andrés Manuel López Obrador — Foto: Pedro Pardo/AFP

Mas ainda falta uma peça do quebra-cabeças para que o Morena e dois partidos coadjuvantes da aliança eleitoral exerçam controle total sobre a legislatura. Os primeiros resultados mostram que a aliança irá obter uma maioria absoluta de dois terços na Câmara dos Deputados, o que lhe permitirá aprovar alterações constitucionais, mas poderá ficar aquém dessa marca no Senado, por alguns poucos assentos.

Dados do INE, apresentados pela Secretaria de Governo, apontam que a coalizão governista liderada pelo Morena deve conquistar 82 cadeiras, muito perto das 86 necessárias para obter maioria no quórum qualificado de 2/3 da Casa. Mesmo que não alcance a marca sozinha, a coalizão ainda poderá conseguir reunir uma maioria absoluta fazendo acordos com outros legisladores, de acordo com especialistas jurídicos.

— Eles terão que negociar alguma coisa — disse López Ayllón. — E se conquistarem os assentos [necessários no Senado] isso abrirá um caminho que levará a mudanças constitucionais muito rápidas.

Uma incógnita é o quão comprometida Sheinbaum, que assumirá o cargo em 1º de outubro, realmente está em promover as mudanças que López Obrador propôs em fevereiro, e que ela rapidamente adotou como suas. Embora tenha defendido publicamente as propostas, analistas também acreditam que ela não teve escolha senão apoiar totalmente López Obrador durante a campanha.

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O peso mexicano caiu mais de 3% na segunda-feira, uma queda rara para uma moeda que vem se mantendo forte em relação ao dólar. O nervosismo nos mercados financeiros reflete um desconforto mais amplo em relação a uma potencial erosão do sistema de freios e contrapesos, o que poderia expandir o papel do governo na economia, de acordo com estrategistas financeiros.

Uma grande preocupação para as empresas é a potencial eleição de juízes através do Supremo Tribunal e a virtual destruição da independência de órgãos reguladores, disse Roberta Jacobson, ex-embaixadora dos EUA no México.

A eleição de juízes poderia sujeitá-los a pressões políticas, de acordo com os críticos à medida, criando uma dependência entre eles e figuras carismáticas com o eleitorado, além de torná-los menos dispostos a decidir contra os seus aliados. A medida, disse Jacobson, também pode afetar a capacidade de empresas obterem uma audiência justa em disputas, tanto no âmbito de órgãos reguladores quanto no Judiciário.

— O que estão fazendo é manter esses órgãos, retirando deles qualquer vestígio de independência, ao transferir as suas funções para o Poder Executivo — disse Jacobson sobre os reguladores. — Isso eliminaria qualquer pretensão de independência e conferiria esse poder à presidência.

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Sheinbaum sinalizou abertura para trabalhar com o setor privado, dizendo em um discurso a apoiadores na manhã de segunda-feira, que respeitará “a liberdade empresarial” e promoverá e facilitará “honestamente o investimento privado nacional e estrangeiro”.

— [É possível que ela priorize as medidas] dada a importância disso para o projeto e legado de López Obrador — disse Jacobson. — A outra possibilidade é que ela deixe o assunto definhar sem nunca pressionar por uma votação.

Um terceiro cenário também está aumentando a ansiedade entre os críticos ao governo. O novo Congresso assumirá em setembro, coincidindo com o último mês de mandato de López Obrador, o que lhe daria a oportunidade de promover as mudanças estruturais se o partido do governo conseguir uma maioria absoluta no Senado.

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